Os princípios (regras, normas...) da criação da Abelha de Buckfast

Textos, fotos e ilustraçães
Erik Österlund,
SE-69492 Hallsberg, Sweden.
com a permissão

Tradução em português
por
Paulo Gonçalves,
Roussas (Melgaço), Portugal.

Este texto foi escrito para ser apresentado num colóquio realizada em 1999, na Apimondia Vancouver.

Depois das suas primeiras experiências, o Irmão Adam, monge beneditino que viveu no séc. XX, trabalhou as diferentes « raças » de abelhas como já era costume os apicultores o fazerem a partir das diferentes linhas de uma só e mesma raça localizada. Com a lentidão e a prudência necessárias, num primeiro tempo, acabou por antever a possibilidade de as utilizar a todas num único programa de criação. Começou por analisar cada raça, cada linhagem, na própria abadia, na esperança de que isto pudesse ser uma potencial fonte genética para a sua futura abelha.

Le Frère Adam
Irmão Adam gostava de partilhar suas experiencias e as abelhas com apicultores que se mostravam interessados.
Foto: Erik Österlund.

Na realidade, não há nada de misterioso ou de segredo na abelha de Buckfast, nem nos princípios que regularam e ainda regulam esta experiência. Esta abelha é ou poderá ser como qualquer outra abelha. Já que se pode aumentar o número de abelhas e melhorar as qualidades de uma abelha, porque não escolher uma das que temos mais perto de nós?

Controle dos zangões

Uma das palavras-chaves na criação desta abelha, um dos seus segredos é o controle dos zangões. A maior parte das vezes, numa criação apícula, não se seleciona rigorosamente a não ser a « colmeia-mãe »: a mãe das futuras rainhas. Mas, geralmente, deixa-se que a fecundação se faça « ao acaso »; ou, então, pode-se e faz-se reunir as melhores colmeias à volta destas rainhas virgens, no mesmo apiário e distante da origem. Começa-se, assim, a criar uma estação de fecundação. Na minha opinião, é uma ideia excelente se apenas se quer proteger aquela nova criação, ou progredir pouco a pouco. Em geral, a melhoria é notável, mas lenta.

Frère Adam au rucher de l’abbaye
Irmão Adam num processo de maneio em seu apiário na abadia de buckfast.
Foto: Erik Österlund

Esta técnica tem quase sempre certos limites: por exemplo, se se procura um progresso rápido ou quando se cruzam duas linhas ou « raças » geneticamente muito diferentes. Neste caso, a geração seguinte produzirá uma grande diversidade de abelhas da qual não será possível mais libertar-se, a não ser que se faça uma redução drástica da variedade genética dos zangões. É necessário controlar melhor os zangões destinados a fecundar as rainhas. Foi com esta finalidade que o Ir. Adam instala, desde julho de 1925, uma estação de fecundação, num setor isolado da zona de Dartmoor. A poucos quilómetros da abadia, a localidade de Sherburton é um pequeno sítio protegido, no coração de uma zona isolada, com pouca vegetação, quase sem abelhas e um clima muito rigoroso. Numa certa época, ele dispunha também de uma segunda estação que lhe permitia realizar acasalamentos especiais (seleccionados). Mas foi também necessário levar a cabo inseminações artificiais, mas em pequena quantidade. Esta estação de fecundação de Sherburton, que sempre funcionou a partir de 1925, foi na realidade pedra-angular da sua criação, a chave do renascer da abelha de Buckfast.

A origem dos zangões desta estação sempre foi uma única colmeia (colónia). A partir da realidade biológica típica da abelha, é possível distribuir vários zangões, e não apenas um, para um grande número de estações de fecundação. A partir do exposto, chamaremos a esta colónia: Colónia-Pai.

Por sua vez, ele selecionou uma colónia para a sua experiência, e se tudo corresse bem, não escolheria apenas uma, mas um certo número, de origem e linhagens diferentes, para evitar, no futuro, consanguinidades muito próximas. Estas colónias com grande potencial, no início ou no decorrer da seleção, acabarão por ser muito produtivas até ao final, tendo proporcionado muita satisfação ao seu criador e possuindo uma ou muitas qualidades excepcionais e produzindo larvas para futuras rainhas. A estas colónias, vai chamar-se as colónias-mães. Portanto, devem-se criar, o melhor possível, um certo número de rainhas a partir das larvas provenientes destas "colónias-mães". É necessário ter machos para estas jovens virgens. Assim, uma colónia destas, em que as características se completam e se reforçam com as qualidades das "colónias mães".

Como gerir este colmeal (estas colmeias/colónias)?

Se utilizarmos simplesmente os zangões da colónia-pai, não estaremos a aproveitar todas as potencialidades desta colónia. Teremos apenas a herança da rainha, porque os zangões não tendo pai têm apenas as qualidades herdadas da mãe. Por outro lado, isto não é mau porque a rainha é o ser mais importante da colmeia (colónia). A sua influência é de tal importância que é a única que produz criação (phéromones). Além disso, produz coisas extraordinárias que desconhecemos. Mais de 50% da herança genética desta colmeia, de cada uma das abelhas obreiras, provém do sémen, conservado durante meses no repositório próprio da rainha, fecundado anteriormente. Este pormenor é essencial para o bom desenvolvimento da "colónia-pai".

Herança perfeita

As abelhas obreiras possuem a perfeita herança da "colónia-pai". Mas elas não podem fecundar as rainhas virgens originárias das "colónias-mães". Ao contrário, rainhas virgens ou já fecundadas, irmãs destas obreiras, possuem também elas a plena herança da "colónia-pai". Quando estas rainhas desenvolverem a sua própria colónia, o que não é importante para a nossa questão, também elas produzirão zangões. Estes zangões herdarão as mesmas qualidades que a sua mãe, o que quer dizer, a perfeita herança da referida "colónia-pai".

Contudo, é necessário colocar um senão a esta herança: cada vez que a rainha da "colónia-pai" põe um ovo fecundado aí se encontra 50% da sua herança genética, mais um sémen produzido por um dos zangões que a fecundou. Para cada abelha (ou rainha), produzida a partir desses ovos fecundados, a herança genética será cada vez mais diferente. Com efeito, os 50% originários da rainha, mãe destas, por efeito da redução cromossómica são cada vez mais diferentes. Se o sémen provém de pais diferentes, a criação será diferente. No meio de uma "colónia-pai", formada geralmente entre 60 a 80 mil operárias, irmãs ou super-irmãs, segundo o pai, formará uma panóplia de variedades tanto a partir da rainha como dos zangões. Esta colmeia é representativa da variedade das características próprias de uma herança a partir da união indissolúvel da « rainha » e do « sémen conservado na sua espermateca ».

Uma "colónia-pai" dará toda a sua herança genética através dos zangões de um grande número de "rainhas-filhas". Por isso, é necessário produzir um número considerável de zangões, mesmo que a "colónia-pai" seja única. Embora o mais importante da seleção seja efectuado a partir da "colónia pai", também é necessário fazer uma escolha entre as "rainhas-filhas". Porquê ou para quê fazer esta seleção? Porque, todas as operárias da "colónia-pai", cada uma não herdou mais do que 50% do potencial genético da sua "colónia-pai". E como "a mais bela rainha do mundo" não pode dar a não ser o que ela tem, se as caraterísticas lhe faltam, são defeituosas ou insuficientes, não podem ser utilizadas para a produção dos zangões desejados. Pela mesma razão, devem usar-se muitas "rainhas filhas" de modo a obter zangões que no seu conjunto venham a corresponder às plenas qualidades da "colónia-pai".

croquis
Ao fazer uma genealogia de colónia seguindo os princípios Buckfast, a colónia de onde você produzir as rainhas jovens pode-se chamar de « mãe » e a colónia que forneceu as rainhas que estão designadas a produzir zangões pode-se chamar de « Pai ». Deste modo, você pode obter uma genealogia que é semelhante em aparência à genealogia para mamíferos. Faz-se em forma de árvore, ou como o Irmão Adam, uma única linha (na parte superior do desenho). Neste último caso, siga a « linha da Mãe » e a fecundação da rainha na linha, dando em cada geração.

Na realidade, geralmente não é possível decidir, à partida, com as certezas de que uma nova colónia terá as características da "colónia-pai" já nos próximos anos. Mas pode-se seleccionar um certo número de "rainhas-filhas" para a possibilidade de escolher, entre elas, de 10 a 20 irmãs para povoar a "estação de fecundação". O desempenho, a resistência às invernias, o começar da primavera e outras variedades climatéricas podem ajudar-nos na selecção final. Foi verdadeiramente desta forma que trabalhou o Ir. Adam.

É necessário utilizar este método quando o objectivo é o desenvolvimento de uma variante qualquer que seja a raça. Isto permitia desenvolver, na verdade, e rapidamente estabilizá-la. Em todas as criações, mas sobretudo com a abelha, desde que se obtenha um certo nível de consanguinidade, é necessário ser muito prudente se desejamos conservar os resultados obtidos anteriormente.

Deve-se abandonar este método linear e eliminar radicalmente toda a consanguinidade, mesmo que o pedigree não seja conhecido. É preciso constantemente fazer ensaios de novas linhagens e mesmo de novas raças que se integrarão em seguida quando o resultado obtido for verdadeiramente satisfatório. São estas integrações regulares de linhagens vizinhas ou diferentes que evitarão o desastre, a perda total de vitalidade, devido à consanguinidade.

Para obter este resultado, é necessário seleccionar meticulosamente a colónia pai para as diferentes colónias mães. Foi este o processo utilizado pelo Ir. Adam durante decénios. É curioso observar e experimentar novas raças de linhagens para contribuir para o progresso e desenvolvimento da sua abelha: Buckfast.

Erik Österlund
Erik Österlund
http://elgon.se/

Erik Österlund, editor do jornal apícola sueco Bitidningen publicado pela Associação de Apicultores Suecos, é distribuído mensalmente em 12 000 exemplares. Ele é um apicultor/criador há mais de trinta anos e encontrou o Ir. Adam, pela primeira vez, na Abadia de Buckfast em 1983. Seguiram-se depois numerosas visitas. Publicou muitos artigos no American Bee Jounal. Em 1989, ele esteve numa expedição ao Quénia à procura das abelhas das montanhas: A.m. montícola. Posteriormente, fez parte de um programa de selecção de uma abelha mais resistente à varroa e dirige um grupo com este objectivo.

Na apicultura, procura-se um pedigree de reprodutores que esteja acordo com os princípios da criação buckfast, a que se chama « colónia mãe », da qual se retiram os ovos ou as larvas. A « colónia pai » é aquela que fornece as rainhas produtoras dos zangões destinados à fecundação das rainhas virgens tiradas da « colónia mãe ». Obtém-se, assim, um pedigree que é semelhante ao dos mamíferos, mas na realidade é diferente, porque representa somente a fêmeas: a mãe das rainhas é a avós dos zangões. Isto dá-nos uma árvore genealógica onde todos os ancestrais são conservados; ou como o Ir. Adam gostava de fazer: uma simples linha. Neste caso, não se conserva para cada geração a não ser a linhagem materna e as fecundações que se obtém a partir daí.

B999(EO) = .85 – B-387 shr B-193 :  .82 – B-272 shr B-132
[ Ver pedigree completo ]
 

O pedigree acima pode ler-se da seguinte maneira: « a rainha B999 de Erik Österlund, nasceu no ano de 1985, de larvas B-387 (colónia mãe do Ir. Adam), e foi fecundada, no lugar protegido de Sherburton, pelos zangões, netos da rainha B-193 (colónia pai). Igualmente a rainha B-387 foi criada a partir das larvas da B-272 e fecundada em Sherburton, em 1982, por zangões produzidos pelas filhas da rainha B-132 ». É necessário ter em conta que a « colónia pai » não é absolutamente o pai da rainha estudada, mas sim o pai das filhas desta rainha. Portanto a « colónia pai » da colónia desta a rainha está na origem deste pedigree, chama-se « colónia filha ».
 
Erik Österlund
1999

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Erik Österlund,
SE-69492 Hallsberg, Sweden.
com a permissão

Tradução em português
por
Paulo Gonçalves,
Roussas (Melgaço), Portugal.